A notícia do meu comportamento caiu como uma bomba. Jack não compreendia a razão pela qual fiz asneiras. A verdade era que eu nunca tive comportamentos violentos nem nunca falei com ele acerca da minha relação com os colegas de turma. Daí a ele não perceber as minhas razões. Ele berrou comigo, ficou chateado e ainda fiquei de castigo. Boa! E... uma semana de suspensão. Pelo que ouvi, Brenda tinha um dente partido, o lábio estava inchado e vários hematomas no semblante. Eu só tinha uns arranhões que mal se notavam. Após aquele sermão, ele saiu de casa de volta para o hospital porque tinha uma operação urgente. Novamente fiquei sozinha, sem ninguém para falar e privada de computador e telemóvel.
Sentei-me no sofá de couro que se encontrava na sala, e liguei a televisão. Não estava a dar nada de interessante. Então, reflecti. Talvez o facto de ser tão reservada, despoletasse a minha raiva interior e me fizesse agir violentamente. Talvez o facto de Jack não me ligar patavina e passar muito tempo fora de casa, fizesse-me ficar ainda mais reservada. Gostava de ter um irmão. Mais velho, de preferência. Nunca tive uma relação muito boa com crianças. Sempre as vira como pestes e um pouco rabugentas. Comecei a pensar naquilo que tinha feito: foi mau, muito mau. Eu deveria ter-me controlado. Eu nem sequer deveria ter ouvido aquelas palavras. Deveria ter fingido que ela não existia. Mas, depois das coisas feitas não há nada a fazer. Eu já tinha idade suficiente para não me envolver em disputas com colegas. Eu já tinha atingido a maioridade, embora andasse no ensino secundário, no último ano. No entanto, sofri doze anos. Doze anos a aguentar constantemente Brenda. Qualquer dia, o feitiço ter-se-ia de virar contra o feiticeiro. Abruptamente, lágrimas irromperam dos meus olhos. Escorreram pela minha face abaixo e embateram contra a palma da minha mão. Eu sabia porque estava a chorar. Chorava porque lembrava-me de todos os fracassos da minha vida.
Primeiro: Com sete anos assisti ao assassinato da minha única amiga em toda a vida, a Erica. Senti-me completamente impotente ao vê-la ser degolada por dois rapazes com aproximadamente quinze anos, só por quatro libras.
Segundo: Enfrentei a morte da minha avó com doze anos. Era um grande apoio, um suporte na minha vida. Preparava-me sempre um lanche delicioso quando chegava da escola! Causa da morte: acidente de viação.
Terceiro: Depressão que me obrigou a ficar num Hospital Psiquiátrico durante três longos meses. Causa: trauma da morte de um parente. Idade: catorze anos, quase a completar os quinze.
Quarto: Morte do meu único namorado. A única pessoa que me fez feliz em dezasseis anos. Ainda me lembro dele com aquele olhar caloroso e face de anjo! "Caleb". Era o seu nome. Pensar nele, provocava-me ainda uma certa solidão e tristeza. Ele nunca me deixava sozinha. Apoiava-me e sabia todos os meus segredos e eu sabia os dele. Parecíamos feitos um para o outro. Almas gémeas, mas... conseguiram separar-nos. Causa da morte: Uma árvore de grande porte caiu em cima dele quando ele estava a ajudar o tio no seu ganha-pão.
Então, relembrando todos estes momentos, lembrei-me que Jack safava-se bem sozinho.
Corri para a casa-de-banho. Coloquei ambas as mãos sobre o lavatório e mirei ao espelho fitando a rapariga que chorava. Olhei para ela. Tinha os cabelos castanhos e ondulados nas pontas. Longos. Os seus olhos eram grandes e verdes. Era ainda morena. Envergava uma camisola de lã azul, já roída por algum rato que se encontrava no seu gavetão. Executei movimentos e a imagem exercia-os também. Claro que sabia que era eu que estava representada naquele espelho! Olhei ao meu redor. Desesperada procurei uma tesoura. Finalmente encontrei-a. Novamente me coloquei em frente ao espelho. Agarrei numa longa madeixa do meu cabelo e cortei-a com a tesoura. Depois de cortada aquela madeixa, cortei o restante cabelo de forma irregular, bastante irregular. O cabelo caia no lavatório e as minhas lágrimas continuavam a escorrer violentamente. Finalmente o meu cabelo estava terrível. Olhei-me e estava "desfigurada". Chorei ainda mais. Procurei pelos meus calmantes e tomei-os numa dose exagerada.
Dirigi-me para o meu quarto onde coloquei em cima da cama todas as mochilas que tinha. Abri o roupeiro e os gavetões, amarrotando a roupa de modo a caberem nas minhas escassas quatro mochilas. Mudei de roupa, envergando umas calças de ganga escura, uma camisola vermelha, um casaco cinzento com capuz e uns ténis pretos. Levei também comigo o medicamento para as crises de asma, os calmantes e gás pimenta. Podia precisar dele.
Apressei-me a escrever uma carta a Jackson que descrevia todos os meus sentimentos. Eu passei a vida a idolatrá-lo enquanto ele me ignorava. Era essa a verdade... Pousei a carta ao lado do seu jornal e saí de casa.
Caminhei lentamente sobre a neve até chegar à estrada nacional. A estrada nacional não ficava muito longe de casa. Com alguma sorte, alguém me podia dar boleia. Não me interessava o destino. Apenas queria sair de Glasgow. Então, esperei pacientemente por alguém que me desse boleia. Todos olhavam para mim, mas ninguém parava. Coloquei o capuz sobre a cabeça. Talvez o cabelo estivesse a gritar que eu era uma delinquente. Esperei duas horas. Finalmente um carro parou. Um homem com cerca de cinquenta anos, com um sorriso que não me agradou muito, convidou-me para entrar. Hesitei, mas acabei por entrar. Passados uns segundos, ainda não tínhamos começado a andar, o homem tentou agarrar-me. Saquei do bolso das calças o gás pimenta e abri a porta, saindo a correr com as malas atrás de mim. Corri enquanto pude, enquanto o homem continuava aos gritos na sua carrinha. Enveredei por um monte coberto de fetos. Estes eram tão altos que quase me impossibilitavam de ver com nitidez o caminho. Julguei que sabia sair daquele monte, mas voltei repetidas vezes ao mesmo local. Estava definitivamente perdida. Sentei-me num tronco de árvore recentemente cortado, e peguei no telemóvel. Abri a lista telefónica e vi que ainda tinha o número de telemóvel de Caleb gravado. Coloquei novamente o telemóvel no bolso e tentei encontrar o caminho de acesso à estrada.
Estava prestes a anoitecer quando comecei a ouvir o barulho dos carros. Corri de encontro aos carros e encontrei a estrada. Quase pulei de alegria!
Novamente pedi boleia e, uma mulher balofa com a cabeleira farta parou. Sorriu-me e convidou-me para entrar.
- Então, minha jovem, estás disposta a ir para Staffs? - questionou a senhora.
- Qualquer local. - respondi.
- Muito bem. Então será essa a nossa próxima paragem.
Estas foram as últimas palavras que ouvi. Entretanto, adormeci profundamente acordando com o sol matinal a embater contra os meus olhos. Pensava eu que era o Sol matinal, mas já eram onze da manhã.
- Bom dia! - cumprimentou a senhora.
- Bom dia. - disse.
- Queres comer alguma coisa?
- Não. Estou bem, obrigada.
- Não tarda nada e estamos em Staffs.
- Ainda bem. - murmurei. - Por acaso, não sabe assim de algum emprego que eu possa arranjar por lá?
- Bem, tenho uma amiga que tem um café lá. Talvez ela te possa oferecer um emprego.
- Obrigada. - agradeci novamente.
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